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Quando a esquadra de Pedro Álvares Cabral atracou em 1500 no litoral do Monte Pascoal, atual sul da Bahia, Pero Vaz de Caminha descreveu os indígenas em uma carta ao rei de Portugal: "eram pardos, todos nus". Reivindicada até hoje pelos Pataxó, essa é uma das mais de 800 áreas tradicionalmente ocupadas por indígenas no Brasil que correm o risco de cair de vez nas mãos do agronegócio. Basta os deputados transformarem em lei o marco temporal das terras indígenas, um dos inúmeros ataques aos povos originários contidos no Projeto de Lei (PL) 490, que deve ser votado nesta terça-feira (30) pela Câmara dos Deputados.

O marco temporal estabelece uma data fixa para definir quais terras são indígenas. O critério, porém, não é a chegada dos portugueses, mas sim a data em que a Constituição Federal entrou em vigor. As comunidades que não estivessem em seus territórios em 8 de outubro de 1988 teriam, portanto, seus direitos territoriais cassados. É o que aconteceria com os Pataxó do Monte Pascoal, que só retomaram a área histórica em 1999. Antes disso, eles não tinham como estar lá: haviam sido expulsos por uma gigante da extração de madeira.

"Ruralistas têm urgência em apagar nossa história, destruir nossos biomas, seguir com o genocídio que enfrentamos há 523 anos, para passar a boiada", disse em nota a Articulação dos Povos Indígenas Indígenas do Brasil (Apib).

Talvez o mais emblemático, o caso dos indígenas que recepcionaram Cabral está longe de ser o único. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) diz que 60% das 1,4 mil terras indígenas brasileiras não são regularizadas. Quase 600 não tiveram sequer o processo de demarcação iniciado. Se virar lei, o marco temporal será o principal argumento de fazendeiros e grandes empresas para questionar as demarcações ainda não concluídas.

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"Caso a tese seja referendada, teremos a paralisação das demarcações e teremos certamente pedidos de revisões de terras já demarcadas", afirmou em entrevista prévia ao Brasil de Fato a assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Paloma Gomes.

"Essa tese jurídica perversa desconsidera o histórico de violência a que foram submetidas as populações indígenas antes de 1988, bem como as ameaças e assassinatos que resultaram na expulsão das comunidades de suas terras", complementou Antônio Eduardo Oliveira, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

É por isso - mas não só - que as organizações indígenas e indigenistas, de direitos humanos, além do Ministério Público Federal (MPF), consideram o PL 490 inconstitucional. O Instituto Socioambiental (ISA) encaminhou nesta segunda-feira (29) aos deputados federais uma nota técnico-jurídica enumerando inconstitucionalidades e ilegalidades do projeto, assinada pela advogada Juliana Batista e pelo Assessor do Programa de Política e Direito, Márcio Santilli.

Inconstitucionalidades: garimpo e grandes empreendimentos

Além de travar demarcações, o PL 490 abre terras indígenas regularizadas ao garimpo e a grandes empreendimentos, como estradas e hidrelétricas. O artigo 20 prevê que o direito dos indígenas sobre as terras não abrange "a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira". O mesmo artigo determina que os indígenas não podem usufruir de "áreas cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União". Os trechos são claramente inconstitucionais, de acordo com o ISA.