Um indígena de 14 anos, da etnia Dessana, relatou que sofreu agressões dentro de um internato ilegal, em Manaus (AM), que funcionava para propagar a religião islâmica.

O adolescente disse que o então responsável pelo local – o turco Hakan Ugurlu, de 22 anos – havia o repreendido e empurrado contra a parede, sob a justificativa de que o indígena estaria “brincando” no momento da oração.

O jovem Dessana relatou o caso à Fundação Nacional dos Indígenas (Funai), em outubro do ano passado, conforme consta em relatório a que a reportagem teve acesso.

Matéria publicada pelo Metrópoles em abril revelou a existência de um grupo islâmico que doutrina e leva indígenas da Amazônia para a Turquia.
Com a promessa de custear os estudos dos jovens, religiosos turcos levavam os indígenas de São Gabriel da Cachoeira (AM), na fronteira com a Colômbia, para internatos religiosos em Manaus, São Paulo e Turquia.

O internato em Manaus foi fechado pelas autoridades brasileiras em fevereiro, pois funcionava de forma ilegal. Após a reportagem do Metrópoles, os cinco indígenas levados para a Turquia voltaram para o Brasil.

foto colorida de indígenas lendo o alcorao em sao gabriel da cachoeira amazonas - Metrópoles

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Rotina espiritual

No dia 6 de outubro de 2022, uma equipe composta por integrantes da Funai e do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) visitou o internato ilegal que funcionava em Manaus.

A instituição irregular chamava-se Associação Solidária Humanitária do Amazonas (Asham) e, à época, hospedava oito indígenas, das etnias Tukano, Dessana e Baniwa.

O local costumava impor uma rotina diária de ensino religioso, com aulas sobre moral, alcorão, árabe e turco. Crianças e adolescentes tinham que realizar as cinco orações diárias previstas na religião islâmica.

Tristeza e sofrimento

Outro adolescente, que tem 12 anos e pertence à etnia Tukano, disse que o pai autorizou sua ida ao internato religioso. A mãe tinha falecido.

O relatório da Funai descreve que esse adolescente “manifesta uma tristeza e/ou um sofrimento relacionados tanto ao falecimento de sua mãe quanto com sua situação atual na casa, apesar de não haver verbalizado”. A equipe da fundação orienta que esse adolescente indígena tenha um acompanhamento mais qualificado, com psicólogo, em outro contexto de entrevista.
Excesso de carboidrato

O documento emitido pela autarquia federal ainda relata que crianças e adolescentes indígenas realizavam a limpeza do ambiente e o preparo dos alimentos da instituição.

“A alimentação se restringe a arroz e feijão, e em algumas vezes macarrão, sem presença de proteína de origem animal”, informa outro trecho do relatório.

Alguns adolescentes diziam que queriam voltar para casa; outros, que desejavam ir para a Turquia, destino final dos participantes desse grupo islâmico.

Um adolescente de 13 anos da etnia Baniwa relatou que pretendia ir estudar na Turquia para se tornar um professor de religião e que seria bem remunerado por isso.

A maioria dos indígenas tinha contato com os pais nas sextas e nos sábados, quando era permitido o uso de celular. Uma criança de 9 anos não pôde manter contato com familiares.